PET Biologia UFV

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Programa de Educação Tutorial - Biologia UFV

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Seminário: Por que devemos defender a ciência no Brasil?

Petiana: Julia Martins de Andrade.
 

    Antes de saber o porquê de defender, é preciso definir o que é ciência pelo ponto de partida.  Segundo o dicionário, ciência é: Conhecimento atento e aprofundado de algo; Corpo de conhecimentos sistematizados adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos, formulados metódica e racionalmente.

           Agora que já sabemos o que significa esse termo, precisamos analisar o que ela significa para a sociedade, já que estamos inseridos nela impreterivelmente. Constitui crença generalizada que o conhecimento fornecido pela ciência distingue-se por um grau de certeza alto, desfrutando assim de uma posição privilegiada com relação aos demais tipos de conhecimento (o do homem comum, por exemplo). Teorias, métodos, técnicas, produtos, contam com aprovação geral quando considerados científicos (CHIBENI, 2013). Ou seja, quando vemos que o título de algo é “científico”, mesmo sem entender do que aquilo se trata, consideramos como uma informação verídica e de relevância.

           Lendo isso, algumas pessoas podem pensar “mas, eu nem estou envolvido com ciência no meu dia a dia”. A verdade é que sem ela não estaríamos lendo esse texto juntos. A ciência está está presente a todo momento. Não precisamos pensar muito longe. Se você pode se vacinar, ler este seminário no seu celular, ter sua casa iluminada pela luz elétrica, tomar remédio para alguma dor, andar no seu carro e vestir roupas com estampas legais, você já está usufruindo dela.

           A grande questão é: se vivemos rodeados por ela, por que não cuidamos com o mesmo vigor? Bom, no Brasil, 39% da população não acredita em ciência e somente 27% a defende durante discussões. Alguns fatores podem explicar esse ceticismo. As crenças pessoais, por exemplo, afetam nesse julgamento. 50% da população só acredita em ciência quando ela está alinhada a suas crenças pessoais. “Mesmo que os avanços na tecnologia tentem impulsionar mudanças positivas na sociedade, muitas pessoas em todo o mundo estão céticas em relação à ciência”, afirma John Banowetz, vice-presidente sênior de Pesquisa & Desenvolvimento e Chief Technology Officer da 3M. Para conseguir bater de frente com esse ceticismo, é preciso que a comunicação seja clara e direta. A população não irá defender aquilo que ela não sabe como funciona ou não tem informações acessíveis sobre o assunto. O que notamos em larga escala é que as pesquisas não saem de dentro dos laboratórios ou não tem uma linguagem de fácil entendimento. Não só a elaboração, mas a divulgação científica de qualidade também é papel do(a) cientista se ele(a) quiser apoio.

           Apesar de 70% dos brasileiros raramente, ou nunca, pensarem no impacto da ciência no seu dia a dia, a maioria tem um sentimento positivo em relação ao tema. 85% acreditam que precisamos da ciência para resolver os problemas do mundo. Ou seja, essa pesquisa revela que os brasileiros e brasileiras estão abertos a ouvir o que a ciência tem a dizer, mas é preciso que ela diga no dialeto do povo sem deixar de ser verdadeira.  Os resultados e avanços que a ciência pode trazer para a sociedade são inúmeros. Defendê-la significa que você valoriza o trabalho de quem traz isso para a sua rotina e a facilita em vários aspectos. Para defender e apoiar, não é preciso necessariamente também ser um cientista ou investir dinheiro. Qualquer pessoa pode, deve e tem essa obrigação de lutar a favor daquilo que faz suas vidas melhores.

           Pensando em quem faz pesquisa no Brasil, não podemos deixar de citar um importante órgão chamado “Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico”, o CNPq. Ele é o maior fomentador da pesquisa nacional em todas as áreas do conhecimento. As atividades de pesquisa são desenvolvidas tipicamente em laboratórios ou salas de estudo, via de regra por alunos de graduação e pós-graduação, sob orientação de um professor (BERTOTTI, 2019).

           Mas, a ciência não sobrevive sem os(as) seus(suas) cientistas. Alunos(as) empenham-se nos trabalhos acadêmicos por uma série de motivos, mas podemos enfatizar a vontade de descobrir e experimentar coisas novas, sentir-se um cientista e colocar em prática o que aprende nas aulas. Durante a execução do projeto, o aluno toma contato com o método científico e aprende a lidar com problemas, criar e testar hipóteses, empregar ferramentas apropriadas, redigir relatórios e artigos científicos e expor os resultados de seus trabalhos para a comunidade científica (BERTOTTI, 2019). Porém, mesmo tendo alunos(as) interessados(as) e pesquisadores(as) dispostos(as) a incentivar e orientar esses estudos, o que ainda trava a ciência no Brasil? Temos mais dinheiro agora do que anos atrás, o triplo de estudos na área da ciência do que em outros governos e subimos oito posições no ranking mundial da pesquisa. Nossos cientistas, no entanto, ainda passam por um sufoco para trabalhar. Então, quais são os problemas? Vamos pensar em alguns.

           Logo de cara conseguimos elencar vários desses problemas só de ler o texto ou pensar em nossas experiências pessoais e no que vemos na televisão, mas aqui vamos nos debruçar principalmente em cima de 6 aspectos.

  1. Falta de Investimento
  2. Orçamentos instáveis;
  3. Excesso de burocracia;
  4. Lentidão da alfândega;
  5. Dificuldade de tirar os projetos do papel.
  6. Interferência política

      Já que o primeiro item fala sobre investimento, vamos falar de números. A parcela do PIB investida em pesquisa e desenvolvimento, 1,16%, ainda é pequena se comparada com a de nações desenvolvidas como a Alemanha (2,7%) ou EUA (2,8%) — e não vem crescendo expressivamente na última década. Isso deixa muito trabalho bom de fora. “Se a taxa de projetos aprovados no CNPq é de 50% e a taxa de financiados é de 20%, nos sentimos no direito de pleitear mais”, diz Helena Nader, presidente da SBPC. (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) (NOGUEIRA, 2013).

        Além de ser pouco, não se pode contar sempre com esse dinheiro porque os orçamentos são instáveis. Em 2017, o orçamento de atuação para a área de Ciência e Inovação foi de R$ 8,05 bilhões. Já em 2018, o valor caiu para R$ 7,66 bilhões. Em 2019, o valor caiu mais ainda para R$ 7,40 bilhões. Com essa inconstância no financiamento, é difícil planejar gastos a longo prazo e estimular projeto, já que isso faz com que os estudantes fiquem cada vez mais desmotivados. Os cortes abruptos, além de tudo, colocam a perder os avanços conquistados.

(Origem dos dados para quem quiser conferir:

http://www.portaltransparencia.gov.br/funcoes/19-ciencia-e-tecnologia?ano=2019)

        O terceiro ponto aborda agora a questão jurídica relacionada a ciência. Então, de números vamos passar para leis. O “Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação”, criado pelo Decreto Federal n. 9.283/2018, era para ser uma boa notícia para os empreendedores, órgãos e entidades envolvidos com a pesquisa, desenvolvimento e inovação nacional. Na teoria, o objetivo desse decreto é a promoção e continuidade dos processos de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, assegurados os recursos humanos, econômicos e financeiros para tal finalidade; Mas, o que acontece na realidade é um completo entrave burocrático para os cientistas conseguirem os recursos para a sua pesquisa. Por mais que o decreto vise a simplificação de procedimentos, o que acontece na prática é muito longe disso. As pilhas de papéis ocupam mais o tempo do que a pesquisa em si, sendo também um grande desmotivador.

(Origem dos dados para quem quiser conferir:

https://lucasbz.jusbrasil.com.br/artigos/546340401/entenda-o-novo-marco-legal-da-ciencia-tecnologia-e-inovacao 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13243.htm)

         Quando pesquisadores finalmente conquistam investimentos e pessoal para suas pesquisas, podem ter de esperar meses para que insumos e equipamentos importados cheguem aos seus laboratórios. Um levantamento realizado em 2010 com 165 cientistas do Brasil mediu o problema. Iniciativa de Stevens K. Rehen e Daniel Veloso Cadilhe, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o trabalho apontou que 99% dos cientistas ouvidos precisam importar materiais para suas pesquisas regularmente. Deles, 76% já perderam encomendas devido ao tempo excessivamente longo de retenção na alfândega (NOGUEIRA, 2013).

         Com todos esses obstáculos citados anteriormente, a pesquisa no Brasil tem muita dificuldade de sair do papel e do laboratório. Isso gera um grande prejuízo para a sociedade que não receberá as inovações que poderiam ajudar em muitos quesitos em seu cotidiano. Fazer ciência precisa ter o intuito final de gerar avanços, mas com tantos entraves isso fica difícil de ser alcançado.

         Por último, mas não menos importante e certamente mais polêmico, é a interferência política em cima da ciência. Uma das formas mais comuns de se pensar a relação entre a ciência e a democracia passa pela crença de que a primeira é instrumental à segunda. Ciência e política vivem um relacionamento paradoxal. Ao mesmo tempo que a ciência ganha autoridade a partir de sua suposta capacidade de orientar decisões sobre políticas públicas, uma aproximação excessiva com o campo político é uma das maiores ameaças à sua legitimidade (GIERYN, 1995 p.435-6).

           A medida que troca o governante, a interferência política também muda. O que não era para acontecer, já que a mesma deveria manter-se como prioridade independente do mandato. Alguns mais comprometidos; outros mais insensatos; todos têm sua parcela de culpa nos avanços ou retrocessos. Mas, desde as últimas eleições, vivemos a era do retrocesso. Atualmente, estamos na mão de Jair Messias Bolsonaro e seu desgoverno que estão adotando uma forte agenda anti científica no Brasil, reduzindo o financiamento de pesquisas, ameaçando a educação pública e reduzindo a regulamentação ambiental a um nível sem precedentes na história brasileira (MARQUES, 2019). O governo Bolsonaro reduziu o orçamento federal para Ciência e Tecnologia em 42,27%. Seu governo também elogiou publicamente o fascismo e expressou nostalgia pelo antigo Regime Militar no Brasil: uma tendência preocupante que representa um grande perigo para a liberdade de expressão, um dos principais pilares do desenvolvimento científico da sociedade (MARQUES, 2019).

            A conclusão que podemos tirar depois dessa grande análise é que notavelmente, a sociedade e a comunidade acadêmica não pode contar com o presidente do país. Levando em consideração o seu desgoverno, o que se pode fazer para ajudar a ciência nesse contexto político é defendê-la sempre que tiver oportunidade, usando argumentos claros e acessíveis. O diálogo é muito importante para que chegue conhecimento e informação em todos os cantos porque todos têm direito a ter acesso a ela.

    Também é de extrema necessidade participar dos protestos, ouvir o que os(as) cientistas têm a dizer e respeitar o seu trabalho. Como vimos ao longo do seminário, muitos são os obstáculos para a ciência no Brasil, mas todos podemos fazer a nossa parte por ela. Você, pesquisador e pesquisadora, leve seu trabalho pra rua e mostre para todos como ele é importante. porque ele realmente é.

    É, eu sei que é difícil. Mas, calma, você não está sozinho nessa luta.





Referências:

ALVES, Gabriel. Brasileiro é otimista quanto à ciência, mas confiança cai, diz pesquisa. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2019/07/brasileiro-e-otimista-quanto-a-ciencia-mas-confianca-cai-diz-pesquisa.shtml. Acesso em: 20 ago. 2020.

ARRUDA, Sergio de Mello et al. O aprendizado científico no cotidiano. Ciência & Educação (Bauru), v. 19, n. 2, p. 481-498, 2013.

BERTOTTI, Mauro. O CNPq e a ciência no Brasil. 2019. Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/o-cnpq-e-a-ciencia-no-brasil/. Acesso em: 19 ago. 2020.
CHIBENI, Silvio Seno. "O que é ciência." Campinas: Unicamp (2013).

CROCHÍK, José Leon; MASSOLA, Gustavo Martineli; SVARTMAN, Bernardo Parodi. Ciência e Política. 2016. Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642016000100001. Acesso em: 20 ago. 2020.

GIERYN, T. Boundary-work and the Demarcation of Science from Non-sciences: Strains and Interests in Professional Ideologies of Scientists. American Sociological Review, Washington, v.48, n.6, p.781-95, Dec. 1983.
                      
MARQUES, Luiz. A ciência versus Bolsonaro. 2019. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/luiz-marques/ciencia-versus-bolsonaro. Acesso em: 20 ago. 2020.                                                  
 
MITRE, Maya. As relações entre ciência e política, especialização e democracia: a trajetória de um debate em aberto. 2016. Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142016000200279. Acesso em: 20 ago. 2020.

NOGUEIRA, Salvador. O que trava a ciência no Brasil? Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,ERT339659-17773,00.html. Acesso em: 18 ago. 2020.

OLIVEIRA, Elida. Panorama da ciência no Brasil é 'assustador, ameaçador e pode se tornar irreversível', diz cientista. Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/02/11/panorama-da-ciencia-no-brasil-e-assustador-ameacador-e-pode-se-tornar-irreversivel-diz-cientista.ghtml. Acesso em: 11 fev. 2020.

SALA, Oscar. A questão da ciência no Brasil. 1991. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010340141991000200009&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em: 19 ago. 2020.

SOARES, João; SALGADO, Felipe. Entrevista "O presidente de um país não pode confrontar a ciência". 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/o-presidente-de-um-pa%C3%ADs-n%C3%A3o-pode-confrontar-a-ci%C3%AAncia/a-53057119. Acesso em: 20 ago. 2020.
POZO MUNICIO, Juan Ignacio et al. Aprender y enseñar ciencia: del conocimiento cotidiano al conocimiento cintífico. Colección pedagogía., 1998.

UNIVERSIDADES, Fala. Os brasileiros valorizam a ciência? 2019. Disponível em: https://falauniversidades.com.br/os-brasileiros-valorizam-a-ciencia/. Acesso em: 19 ago. 2020.


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