Antes de saber o porquê de defender, é preciso
definir o que é ciência pelo ponto de partida.
Segundo o dicionário, ciência é: Conhecimento atento e aprofundado de
algo; Corpo de conhecimentos sistematizados adquiridos via observação, identificação,
pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos,
formulados metódica e racionalmente.
Agora que já sabemos o que significa esse termo, precisamos analisar o
que ela significa para a sociedade, já que estamos inseridos nela
impreterivelmente. Constitui crença generalizada que o conhecimento fornecido
pela ciência distingue-se por um grau de certeza alto, desfrutando assim de uma
posição privilegiada com relação aos demais tipos de conhecimento (o do homem
comum, por exemplo). Teorias, métodos, técnicas, produtos, contam com aprovação
geral quando considerados científicos (CHIBENI, 2013). Ou seja, quando vemos
que o título de algo é “científico”, mesmo sem entender do que aquilo se trata,
consideramos como uma informação verídica e de relevância.
Lendo isso, algumas pessoas podem pensar “mas, eu nem estou envolvido
com ciência no meu dia a dia”. A verdade é que sem ela não estaríamos lendo
esse texto juntos. A ciência está está presente a todo momento. Não precisamos
pensar muito longe. Se você pode se vacinar, ler este seminário no seu celular,
ter sua casa iluminada pela luz elétrica, tomar remédio para alguma dor, andar
no seu carro e vestir roupas com estampas legais, você já está usufruindo dela.
A grande questão é: se vivemos rodeados por
ela, por que não cuidamos com o mesmo vigor? Bom, no Brasil, 39% da população
não acredita em ciência e somente 27% a defende durante discussões. Alguns
fatores podem explicar esse ceticismo. As crenças pessoais, por exemplo, afetam
nesse julgamento. 50% da população só acredita em ciência quando ela está
alinhada a suas crenças pessoais. “Mesmo que os avanços na tecnologia tentem
impulsionar mudanças positivas na sociedade, muitas pessoas em todo o mundo estão
céticas em relação à ciência”, afirma John Banowetz, vice-presidente sênior de
Pesquisa & Desenvolvimento e Chief Technology Officer da 3M. Para conseguir
bater de frente com esse ceticismo, é preciso que a comunicação seja clara e
direta. A população não irá defender aquilo que ela não sabe como funciona ou
não tem informações acessíveis sobre o assunto. O que notamos em larga escala é
que as pesquisas não saem de dentro dos laboratórios ou não tem uma linguagem
de fácil entendimento. Não só a elaboração, mas a divulgação científica de
qualidade também é papel do(a) cientista se ele(a) quiser apoio.
Apesar de 70% dos brasileiros raramente, ou nunca, pensarem no impacto
da ciência no seu dia a dia, a maioria tem um sentimento positivo em relação ao
tema. 85% acreditam que precisamos da ciência para resolver os problemas do
mundo. Ou seja, essa pesquisa revela que os brasileiros e brasileiras estão
abertos a ouvir o que a ciência tem a dizer, mas é preciso que ela diga no
dialeto do povo sem deixar de ser verdadeira.
Os resultados e avanços que a ciência pode trazer para a sociedade são
inúmeros. Defendê-la significa que você valoriza o trabalho de quem traz isso
para a sua rotina e a facilita em vários aspectos. Para defender e apoiar, não
é preciso necessariamente também ser um cientista ou investir dinheiro.
Qualquer pessoa pode, deve e tem essa obrigação de lutar a favor daquilo que
faz suas vidas melhores.
Pensando em quem faz pesquisa no Brasil, não podemos deixar de citar um
importante órgão chamado “Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico”, o CNPq. Ele é o maior fomentador da pesquisa nacional em todas as
áreas do conhecimento. As atividades de pesquisa são desenvolvidas tipicamente
em laboratórios ou salas de estudo, via de regra por alunos de graduação e
pós-graduação, sob orientação de um professor (BERTOTTI, 2019).
Mas, a ciência não sobrevive sem os(as) seus(suas) cientistas.
Alunos(as) empenham-se nos trabalhos acadêmicos por uma série de motivos, mas
podemos enfatizar a vontade de descobrir e experimentar coisas novas, sentir-se
um cientista e colocar em prática o que aprende nas aulas. Durante a execução
do projeto, o aluno toma contato com o método científico e aprende a lidar com
problemas, criar e testar hipóteses, empregar ferramentas apropriadas, redigir
relatórios e artigos científicos e expor os resultados de seus trabalhos para a
comunidade científica (BERTOTTI, 2019). Porém, mesmo tendo alunos(as)
interessados(as) e pesquisadores(as) dispostos(as) a incentivar e orientar
esses estudos, o que ainda trava a ciência no Brasil? Temos mais dinheiro agora
do que anos atrás, o triplo de estudos na área da ciência do que em outros
governos e subimos oito posições no ranking mundial da pesquisa. Nossos
cientistas, no entanto, ainda passam por um sufoco para trabalhar. Então, quais
são os problemas? Vamos pensar em alguns.
Logo de cara conseguimos elencar vários desses problemas só de ler o
texto ou pensar em nossas experiências pessoais e no que vemos na televisão,
mas aqui vamos nos debruçar principalmente em cima de 6 aspectos.
- Falta
de Investimento
- Orçamentos
instáveis;
- Excesso
de burocracia;
- Lentidão
da alfândega;
- Dificuldade
de tirar os projetos do papel.
- Interferência política
Já que o primeiro item fala sobre
investimento, vamos falar de números. A parcela do PIB investida em pesquisa e
desenvolvimento, 1,16%, ainda é pequena se comparada com a de nações
desenvolvidas como a Alemanha (2,7%) ou EUA (2,8%) — e não vem crescendo
expressivamente na última década. Isso deixa muito trabalho bom de fora. “Se a
taxa de projetos aprovados no CNPq é de 50% e a taxa de financiados é de 20%,
nos sentimos no direito de pleitear mais”, diz Helena Nader, presidente da
SBPC. (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) (NOGUEIRA, 2013).
Além de ser pouco, não se pode contar sempre com esse dinheiro porque os
orçamentos são instáveis. Em 2017, o orçamento de atuação para a área de
Ciência e Inovação foi de R$ 8,05 bilhões. Já em 2018, o valor caiu para R$
7,66 bilhões. Em 2019, o valor caiu mais ainda para R$ 7,40 bilhões. Com essa
inconstância no financiamento, é difícil planejar gastos a longo prazo e
estimular projeto, já que isso faz com que os estudantes fiquem cada vez mais
desmotivados. Os cortes abruptos, além de tudo, colocam a perder os avanços
conquistados.
(Origem dos dados para quem quiser conferir:
http://www.portaltransparencia.gov.br/funcoes/19-ciencia-e-tecnologia?ano=2019)
O terceiro ponto aborda agora a questão jurídica relacionada a ciência.
Então, de números vamos passar para leis. O “Código Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação”, criado pelo Decreto Federal n. 9.283/2018,
era para ser uma boa notícia para os empreendedores, órgãos e entidades
envolvidos com a pesquisa, desenvolvimento e inovação nacional. Na teoria, o
objetivo desse decreto é a promoção e continuidade dos processos de
desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, assegurados os recursos
humanos, econômicos e financeiros para tal finalidade; Mas, o que acontece na
realidade é um completo entrave burocrático para os cientistas conseguirem os
recursos para a sua pesquisa. Por mais que o decreto vise a simplificação de
procedimentos, o que acontece na prática é muito longe disso. As pilhas de
papéis ocupam mais o tempo do que a pesquisa em si, sendo também um grande
desmotivador.
(Origem dos dados para quem quiser conferir:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13243.htm)
Quando pesquisadores finalmente conquistam investimentos e pessoal para
suas pesquisas, podem ter de esperar meses para que insumos e equipamentos
importados cheguem aos seus laboratórios. Um levantamento realizado em 2010 com
165 cientistas do Brasil mediu o problema. Iniciativa de Stevens K. Rehen e
Daniel Veloso Cadilhe, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, o trabalho apontou que 99% dos cientistas ouvidos
precisam importar materiais para suas pesquisas regularmente. Deles, 76% já
perderam encomendas devido ao tempo excessivamente longo de retenção na
alfândega (NOGUEIRA, 2013).
Com todos esses obstáculos citados anteriormente, a pesquisa no Brasil
tem muita dificuldade de sair do papel e do laboratório. Isso gera um grande
prejuízo para a sociedade que não receberá as inovações que poderiam ajudar em
muitos quesitos em seu cotidiano. Fazer ciência precisa ter o intuito final de
gerar avanços, mas com tantos entraves isso fica difícil de ser alcançado.
Por último, mas não menos importante e certamente mais polêmico, é a
interferência política em cima da ciência. Uma das formas mais comuns de se
pensar a relação entre a ciência e a democracia passa pela crença de que a
primeira é instrumental à segunda. Ciência e política vivem um relacionamento
paradoxal. Ao mesmo tempo que a ciência ganha autoridade a partir de sua
suposta capacidade de orientar decisões sobre políticas públicas, uma
aproximação excessiva com o campo político é uma das maiores ameaças à sua
legitimidade (GIERYN, 1995 p.435-6).
A medida que troca o governante, a interferência política também muda. O
que não era para acontecer, já que a mesma deveria manter-se como prioridade
independente do mandato. Alguns mais comprometidos; outros mais insensatos;
todos têm sua parcela de culpa nos avanços ou retrocessos. Mas, desde as
últimas eleições, vivemos a era do retrocesso. Atualmente, estamos na mão de
Jair Messias Bolsonaro e seu desgoverno que estão adotando uma forte agenda
anti científica no Brasil, reduzindo o financiamento de pesquisas, ameaçando a
educação pública e reduzindo a regulamentação ambiental a um nível sem
precedentes na história brasileira (MARQUES, 2019). O governo Bolsonaro reduziu
o orçamento federal para Ciência e Tecnologia em 42,27%. Seu governo também
elogiou publicamente o fascismo e expressou nostalgia pelo antigo Regime
Militar no Brasil: uma tendência preocupante que representa um grande perigo
para a liberdade de expressão, um dos principais pilares do desenvolvimento
científico da sociedade (MARQUES, 2019).
A conclusão que podemos tirar depois dessa grande análise é que
notavelmente, a sociedade e a comunidade acadêmica não pode contar com o
presidente do país. Levando em consideração o seu desgoverno, o que se pode
fazer para ajudar a ciência nesse contexto político é defendê-la sempre que
tiver oportunidade, usando argumentos claros e acessíveis. O diálogo é muito
importante para que chegue conhecimento e informação em todos os cantos porque
todos têm direito a ter acesso a ela.
Também é de extrema necessidade participar dos
protestos, ouvir o que os(as) cientistas têm a dizer e respeitar o seu
trabalho. Como vimos ao longo do seminário, muitos são os obstáculos para a
ciência no Brasil, mas todos podemos fazer a nossa parte por ela. Você,
pesquisador e pesquisadora, leve seu trabalho pra rua e mostre para todos como
ele é importante. porque ele realmente é.
É, eu sei que é difícil. Mas, calma, você não está sozinho nessa luta.
Referências:
ARRUDA, Sergio de Mello et al. O aprendizado científico no cotidiano. Ciência & Educação (Bauru), v. 19, n. 2, p. 481-498, 2013.
BERTOTTI, Mauro. O CNPq e a ciência no Brasil. 2019. Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/o-cnpq-e-a-ciencia-no-brasil/. Acesso em: 19 ago. 2020.
CHIBENI, Silvio Seno. "O que é ciência." Campinas: Unicamp (2013).
CROCHÍK, José Leon; MASSOLA, Gustavo Martineli; SVARTMAN, Bernardo Parodi. Ciência e Política. 2016. Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642016000100001. Acesso em: 20 ago. 2020.
GIERYN, T. Boundary-work and the Demarcation of Science from Non-sciences: Strains and Interests in Professional Ideologies of Scientists. American Sociological Review, Washington, v.48, n.6, p.781-95, Dec. 1983.
MARQUES, Luiz. A ciência versus Bolsonaro. 2019. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/luiz-marques/ciencia-versus-bolsonaro. Acesso em: 20 ago. 2020.
MITRE, Maya. As relações entre ciência e política, especialização e democracia: a trajetória de um debate em aberto. 2016. Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142016000200279. Acesso em: 20 ago. 2020.
NOGUEIRA, Salvador. O que trava a ciência no Brasil? Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,ERT339659-17773,00.html. Acesso em: 18 ago. 2020.
OLIVEIRA, Elida. Panorama da ciência no Brasil é 'assustador, ameaçador e pode se tornar irreversível', diz cientista. Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/02/11/panorama-da-ciencia-no-brasil-e-assustador-ameacador-e-pode-se-tornar-irreversivel-diz-cientista.ghtml. Acesso em: 11 fev. 2020.
SALA, Oscar. A questão da ciência no Brasil. 1991. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010340141991000200009&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em: 19 ago. 2020.
SOARES, João; SALGADO, Felipe. Entrevista "O presidente de um país não pode confrontar a ciência". 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/o-presidente-de-um-pa%C3%ADs-n%C3%A3o-pode-confrontar-a-ci%C3%AAncia/a-53057119. Acesso em: 20 ago. 2020.
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UNIVERSIDADES, Fala. Os brasileiros valorizam a ciência? 2019. Disponível em: https://falauniversidades.com.br/os-brasileiros-valorizam-a-ciencia/. Acesso em: 19 ago. 2020.
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