Petiana:Victória de Paula
O Homo sapiens, desde muito cedo, ergue a cabeça para olhar o céu estrelado. O desconhecido nos causa medo, mas também desperta nossa imaginação. Com o passar do tempo, percebemos que os astros influenciam as marés e as plantações. Sendo assim, por que não imaginar que influenciam em nossa personalidade e cotidiano? Nesse post discutiremos a visão científica sobre a influência dos astros em nossa vida, o que é charlatanismo e o que é ciência.
Primeiramente, precisamos compreender o que são astros. Para a astronomia, a palavra “astros” se refere a um nome comum para todos os corpos celestes, como as estrelas, planetas, cometas, satélites, entre outros.
O estudo dos astros começou bem antes de adotarmos o rigor científico, trazido por Galileu. Antes disso, a astrologia era considerada uma ciência e estudiosos como Kepler chegaram a traçar mapas astrais e considerá-los a melhor maneira de entender o universo. Em certo sentido, a carreira de Kepler marcou tanto a ascensão quanto o começo da queda do prestígio científico da astrologia. A vitória do modelo de Copérnico teve muito a ver com isso: ao tirar a Terra do centro das coisas, ele ajudou a tornar menos plausível a ideia de que a vida humana do dia a dia é influenciada pelos acontecimentos celestes.
Com o passar do tempo, os estudiosos
compreenderam que o cosmos é imenso, que a Terra é só mais um pontinho em meio
a uma imensidão. Se deram conta de que as constelações não são formações
naturais e que, muito embora, as estrelas pareçam alinhadas, as posições que
elas ocupam não possuem relação. Sendo assim, as constelações representantes
dos 12 signos do zodíaco seriam fruto da nossa imaginação e nada influenciariam
em nossa vida. Com esse entendimento, foi necessário a separação entre a
astrologia e a astronomia.
“A
ASTRONOMIA é a ciência que estuda os corpos celestes (planetas, asteroides,
cometas, estrelas, galáxias, etc.) A astronomia também estuda o conjunto dos
corpos celestes e o que existe entre eles, ou seja, o universo. Neste caso, a
astronomia recebe o nome de cosmologia. […]. A invenção de novos instrumentos
astronômicos, tais como, os telescópios para a faixa visível e outros
comprimentos de onda da luz, da fotografia, dos detectores eletrônicos digitais
e do espectroscópio, permitiram o estudo da estrutura interna dos corpos
celestes bem como de sua evolução através da aplicação das teorias físicas às
propriedades dos astros. Surgiu então a ASTROFÍSICA.” (SOARES, 2016).
Não é
difícil encontramos pessoas que confundem a astronomia com a astrologia, mas
qual seriam as diferenças entre elas? Segundo Soares, “A principal diferença
entre elas é que a astrologia não é uma ciência. Ela afirma que os astros
influenciam a vida das pessoas, mas não utiliza para isto argumentos
científicos. A astrologia utiliza argumentos de AUTORIDADE e de TRADIÇÕES. Em
primeiro lugar vem a autoridade do astrólogo, ou seja, as afirmações
astrológicas são consideradas ‘verdadeiras’ simplesmente pelo fato de terem
sido ditas por determinada personalidade, que por aceitação geral entre os
cultuadores da astrologia tem a autoridade para afirmar aquilo. A segunda fonte
de conhecimento da astrologia vem do acúmulo de afirmações de autoridades de
tempos passados, em outras palavras, vem das tradições astrológicas, a coleção
de afirmações e conexões feitas por astrólogos de todas as épocas próximas
passadas ou remotas. Este tipo de epistemologia, ou seja, de relacionamento com
o conhecimento, não é científico.” (SOARES, 2016).
No
ocidente, com a separação da ciência, a astrologia foi sendo gradualmente esquecida.
Porém, com a circulação popularizada dos jornais, houve nas últimas décadas uma
segunda ascensão da astrologia, causada pela circulação de horóscopos que
preenchiam as lacunas dos jornais. Por esse motivo, os cientistas se veem
forçados a, novamente, provar que a astrologia não é uma ciência.
“Um teste duplo-cego da astrologia foi proposto e executado
pelo físico Shawn Carlson, do Lawrence Berkeley Laboratory, Universidade da
Califórnia. Grupos de voluntários forneceram informações para que uma
organização astrológica bem estabelecida produzisse um horóscopo completo da
pessoa, que também preenchia um questionário de personalidade completo,
preestabelecido de comum acordo com os astrólogos.
A organização astrológica que calculava o horóscopo
completo da pessoa, juntamente 28 astrólogos profissionais que tinham aprovado
o procedimento antecipadamente, selecionavam entre 3 questionários de
personalidade aquele que correspondia a um horóscopo calculado. Como haviam 3
questionários e um horóscopo, a chance de acerto aleatório é de 1/3 = 33%.
Os astrólogos tinham previsto antecipadamente que a taxa de
acerto deveria ser maior do que 50%, mas em 116 testes, a taxa de acerto foi de
34%, ou seja, a esperada para escolha ao acaso! Os resultados foram publicados
no artigo A Double Blind Test of Astrology, S. Carlson, 1985, Nature, Vol. 318,
p. 419.”. (OLIVEIRA FILHO, 2001).
Existem
diversas crenças populares sobre a influência da Lua na Terra, mas para
astronomia o que é fato? “O primeiro e
mais óbvio fato é sobre o luar, com uma Lua cheia chegando a cada 29,5 dias e
uma Lua nova aparecendo 14,8 dias depois disso. Depois, há a atração
gravitacional da Lua, motor do movimento das marés, que sobem e descem a cada
12,4 horas. A altura dessas marés também segue aproximadamente ciclos de duas
semanas: um, de 14,8 dias, é impulsionado pela atração combinada da Lua e do
Sol, que formam uma linha e configuram a chamada maré viva ou de
cabeça; no outro, de 13,7 dias, a Lua fica em posição perpendicular em
relação ao equador da Terra, o que faz a atração exercida ser menor e, por
isso, essa etapa é conhecida como maré morta.” (GEDDES, 2019).
Muitos astrólogos dizem que a água dentro do nosso corpo
pode ser influenciada pela lua como as marés. Essa relação direta é grosseira e
refutada pela maioria dos cientistas. É correto afirmar que o corpo humano é
constituído por 75% de água, mas essa água não está agrupada, formando uma
espécie de “poço”. Mesmo se desconsiderarmos este aspecto, a força exercida
sobre este componente líquido é tão fraca que seria difícil ver como isso seria
afetado do ponto de vista físico.
Alguns estudos tentam buscar uma associação entre o ciclo do sono e os ciclos lunares, buscando entender como isso afetaria o humor de pacientes com transtorno bipolar. O renomado psiquiatra Thomas Wehr publicou um artigo descrevendo os casos de 17 pacientes com transtorno bipolar de ciclos rápidos, em que a alternância entre depressão e mania acontece de forma mais veloz que o habitual. Esses ciclos aparentam certa sincronia com os ciclos lunares, porém, os estudos são inconclusivos no que se trata de explicações. Wehr estuda a hipótese da atração gravitacional exercida pela lua afetar seus pacientes, porém, permanece a questão se o efeito da Lua no campo magnético da Terra é forte o suficiente para induzir mudanças biológicas.
A possibilidade magnética, que relaciona atividades solares ao campo magnético da Terra, também interessa Wehr. Quando erupções solares atingem o campo magnético da Terra, isso induz correntes elétricas invisíveis fortes o suficiente para derrubar redes de abastecimento inteiras. Alguns estudos sugerem uma relação direta entre estes eventos e um aumento nos casos de derrame, ataques cardíacos e crises de esquizofrenia. Outros estudos sugerem que a ação destes eventos solares no campo magnético da Terra afetariam células do cérebro e do coração que são eletricamente sensíveis. A grande questão é que esses estudos ainda são muito limitados e nenhuma resposta conclusiva pode ser tomada.
Outro
estudo relacionado à possibilidade magnética investiga o criptocromo,
uma proteína que pode funcionar como sensor magnético. Os estudos foram feitos
em Drosófilas e chegaram a resultados interessantes. O criptocromo também está
relacionado ao controle dos ritmos circadianos e a exposição a campos
eletromagnéticos de baixa frequência pode redefinir o tempo dos ciclos
circadianos das moscas-das-frutas, levando a alterações na duração do sono.
Isto porque Quando o criptocromo se liga a uma molécula que absorve luz,
chamada flavina, isso não só sinaliza para o organismo que é dia, mas
desencadeia uma reação que faz com que o complexo molecular se torne
magneticamente sensível.
Mas a
pergunta que fica é se podemos relacionar esse estudo feito com drosófilas ao
caso humano. Por enquanto, a resposta é não. Embora o criptocromo seja
também um componente essencial do relógio circadiano humano, ele funciona de
maneira ligeiramente diferente da versão que opera nas moscas-das-frutas. No
nosso caso e no caso de outros mamíferos, o criptocromo não se liga a flavina.
Sem essa importante molécula não é possível prever, sem mais estudos, se essa
química magneticamente sensível seria desencadeada. Caso a resposta seja
positiva, esta seria uma hipótese mais plausível para os casos dos pacientes do
psiquiatra Wehr.
Devido à
influência da astrologia, muitas pessoas acreditam que as fases da lua e os
ciclos lunares afetam nossa saúde. Uma dessas crenças é de que pessoas do signo
de libra possuem uma tendência a apresentar doenças renais. Isto faz com que
muitos pacientes aguardem o período lunar “correto” para realizar o transplante
de rins. Para verificar se essa crença possui algum fundamento científico, um
estudo investigou o resultado peri operatório e de longo prazo do transplante
de rim de doador vivo (LDKT) dependente das fases da lua e dos signos do
zodíaco. Os dados dos pacientes foram coletados prospectivamente em um banco de
dados de transplante renal continuamente atualizado. Duzentos e setenta e oito
pacientes consecutivos submetidos a LDKT entre 1994 e dezembro de 2009 foram
selecionados para o estudo e atribuídos retrospectivamente às quatro fases da
lua (lua nova, lua crescente, lua cheia e lua minguante) e o correspondente
signo do zodíaco (signo lunar Libra), com base na data do transplante.
Comorbidades preexistentes, mortalidade peri operatória, resultado cirúrgico e
dados de sobrevida em longo prazo foram analisados.
De todos os procedimentos LDKT, 11,9; 39,9; 11,5; e 36,5%
foram realizadas durante a lua nova, crescente, cheia e minguante, respectivamente,
e 6,2% durante a lua do signo de Libra, que se acredita interferir na cirurgia
renal. As taxas de sobrevivência em 1, 5 e 10 anos após o transplante foram
98,9, 92 e 88,7% (sobrevivência do paciente) e 97,4, 91,6 e 80,6%
(sobrevivência do enxerto) sem quaisquer diferenças entre todos os grupos de
fases lunares e signos lunares. Complicações peri operatórias gerais e perda
precoce do enxerto ocorreram em 21,2 e 1,4%, sem diferença estatística (p>
0,05) entre os grupos. Os autores
concluíram que as fases da lua e o signo lunar de Libra não tiveram
impacto nas medidas de resultados iniciais e de longo prazo após o LDKT. Assim,
as preocupações dos pacientes que aguardam o LDKT em relação ao momento ideal
da cirurgia podem ser dissipadas e a cirurgia pode ser programada
independentemente das fases lunares.
As fases
lunares influenciam a menstruação? Não. “Nós avaliamos com entropia
aproximada cruzada início da menstruação versus fases da lua em 74 mulheres com
980 ciclos menstruais ao longo de um ano civil. Desafiando as crenças
tradicionais e ao contrário do que alguns pesquisadores têm argumentado com
trabalhos de pesquisa de curto prazo, neste estudo de longo prazo não
encontramos nenhuma sincronia das fases lunares com o ciclo menstrual.” (I
ILIAS, 2013).
A fase
lunar afeta no crescimento capilar? Não. “O médico dermatologista
Valcinir Bedin, presidente da Sociedade Brasileira para Estudos do Cabelo
conclui: ‘Independentemente da fase lunar, a média de crescimento mensal do
cabelo é de 1 centímetro.’ (Veja, edição 1638, 1 mar 2000, p. 127).” (OLIVEIRA
FILHO, 2001).
A
combinação de signos afeta o número de divórcios? Não. “O psicólogo
Bernard Silverman, da Michigan State University, estudou o casamento de 2978
casais e o divórcio de 478 casais, comparando com as previsões de
compatibilidade ou incompatibilidade dos horóscopos e não encontrou nenhuma
correlação. Pessoas ‘incompatíveis’
casam-se e divorciam-se com a mesma frequência que as ‘compatíveis’. O
psicólogo suíço Carl Jung (1875-1961), em seu livro ‘A Interpretação da
Natureza e da Psique’, chegou a mesma conclusão.” (OLIVEIRA FILHO, 2001);
As fases
lunares afetam o crescimento das plantas? Não. “Uma pesquisa coordenada
pelo Prof. Salim Simão do Departamento de Produção Vegetal da Universidade de São
Paulo, durante sete anos, comprovou que a fase da Lua não tem efeito no
crescimento das plantas. (Veja, edição 1638, 1 mar 2000, p. 127).” (OLIVEIRA
FILHO, 2001).
É inegável o fato dos astros influenciarem na vida terrestre. A lua, o sol, o campo magnético e o campo gravitacional favoreceram e possibilitaram que a vida prosperasse em nosso planeta. Entender como os astros nos influenciam sempre foi uma necessidade, e a astrologia teve a sua devida importância nesse aspecto. Porém, devemos tomar o devido cuidado ao tratar desse assunto. Ao estudarmos os astros, devemos deixar a astrologia no passado e nos focarmos totalmente na astronomia. Propagar a astrologia, uma pseudociência, é um atraso para o meio científico, pois difunde na sociedade informações falsas, dificultando o acesso e busca pelo conhecimento científico. A ciência deve ser acessível para todos e é papel dos cientistas e, principalmente, dos governantes lutarem por isso.
Referências:
•BBC NEWS. Como a Lua afeta
o seu humor. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-49245820. Acesso em: 20 ago. 2020.
•EDZARD ERNST. Do moon phases affect our health?. Disponível em: https://edzardernst.com/rules/. Acesso em: 20
ago. 2020.
•FÍSICA UFMG. Astronomia: O
que é e para que serve?. Disponível em:
http://lilith.fisica.ufmg.br/~dsoares/extn/astrn/astrn.htm. Acesso em: 20 ago.
2020.
• Ilias I, Spanoudi F, Koukkou E, Adamopoulos DA, Nikopoulou SC. Do lunar phases influence menstruation? A year-long retrospective study.
Endocr Regul. 2013;47(3):121-122. doi:10.4149/endo_2013_03_121
• OLIVEIRA FILHO, Kepler de S. "Astrologia não é ciência."
(2001).
•SUPER INTERESSANTE. Astrologia:escrito
nas estrelas. Disponível em:
https://super.abril.com.br/ciencia/astrologiaescrito-nas-estrelas/. Acesso em:
20 ago. 2020.
• SECHAT. Panoramas #027
– influenciar. Disponível em:
https://sechat.blog/podcast/panoramas-027-influenciar/. Acesso em: 20 ago.
2020.
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