Por: Tandara Ketlyn Degobi Xavier
Se pensarmos nos aparelhos eletrônicos que nos cercam no cotidiano, muito provavelmente o primeiro item a ser citado é o aparelho celular, sobretudo os smartphones, objetos essenciais para a comunicação, trabalho e lazer na sociedade atual. Com apenas alguns cliques na tela do seu smartphone, você pode contatar seus familiares e amigos, marcar compromissos na sua agenda virtual, inteirar-se das novidades e atualidades ou buscar informações sobre quase qualquer assunto... mas, até onde a enxurrada de informações e notificações na qual estamos inseridos é benéfica e necessária? Quais complicações o uso constante das redes digitais e sociais podem ocasionar?
Desde a criação da televisão,
percebe-se que as pessoas tendem a buscar um preenchimento do seu “tempo livre”
com lazer. Esse aparelho, em meados de 1950 no Brasil, apresentava duas
particularidades: o preço oneroso que restringia o número de televisões no
país, e a disponibilidade de conteúdo, visto que, na época, os poucos programas
existentes eram transmitidos ao vivo e, ao final do programa, havia uma espécie
de “tela preta” até que a próxima programação começasse.
As duas particularidades levantadas
nos levam a concluir que assistir televisão era um evento compartilhado. Muito
provavelmente você já ouviu falar ou já vivenciou as reuniões nas praças ou
casas de vizinhos para assistir aquele programa famoso ou aquele episódio
esperado da novela, pois além da maioria das pessoas não terem um aparelho
televisor em casa, os intervalos vazios entre a programação proporcionavam a
coletividade, pois se tratando do “aqui e agora”, uniam as pessoas no mesmo
espaço para uma mesma experiência.
Com o barateamento dos televisores e
com o advento das tecnologias videotape, as televisões penetraram cada
vez mais dentro das residências, e com os programas gravados que preenchem todos
os horários, foi possível criar uma horizontalidade na programação, do modo que
conhecemos hoje: com horários nobres e divisões de faixas repetidas durante a
semana, criando uma sensação de hábito no telespectador.
Com a modernização da indústria
audiovisual, surgem os serviços de streaming e on demand, que
respectivamente se referem a disponibilidade de conteúdos numa rede não-física
sem necessidade de download prévio, e a liberdade de escolha do usuário acerca
de quais conteúdos ele deseja consumir. Como exemplos de plataformas que
utilizam esses serviços, temos o Spotify e a Netflix, nas quais o usuário,
dentro de um determinado campo (músicas e séries, no caso das plataformas
citadas), escolhe a qualquer momento o que deseja consumir e quando o fará.
A questão é que essa independência e
liberdade nos levam a duas problemáticas: a primeira é a perda da coletividade,
e a segunda é a dificuldade e a angústia de lidar com a quantidade de
informações. Enquanto na era das televisões o telespectador estava fadado à
dicotomia “ligado” e “desligado”, agora o usuário se encontra de duas formas:
“ligado” ou “buscando”.
Segundo alguns autores, o ato de
realizar “binge-watch”, se dá também pelo apego a determinadas plataformas. Para
Santaella (2004), devido à complexidade em navegar pela web, o usuário gasta
muito tempo, ou na busca por um conteúdo, ou para entender como determinado
site ou rede social funciona. Ela afirma que isso pode levar a desistência, fazendo
com que a pessoa recorra a uma mídia com a qual ela já está familiarizada. Com
o tempo, há uma tendência de se apegar àquele conteúdo, justamente para não ter
que retornar a insegurança causada pela busca.
Outro
comportamento que também passou a ser estudado depois de 2010 foi o FOMO,
acrônimo para “Fear of Missing Out”, que traduzindo para o português significa
“Medo de ficar por fora”. O FOMO se baseia em dois pilares principais: a
necessidade de estar em contato com as outras pessoas via redes digitais, e a
apreensão de que esteja perdendo algo que todos estão aproveitando.
O FOMO não se
enquadra nos sintomas clássicos de vício, mas relaciona-se a uma categoria de
novidade, na qual a recepção de informações se torna uma fonte de gratificação
para usuários (Tomczyk & Selmanagic-Lizde, 2018). Essa síndrome carrega uma
recorrente preocupação de que os outros estejam tendo experiências
gratificantes durante a sua ausência, e isso explicaria a constante necessidade
de estar por dentro de todas as novidades.
Teorias
relativamente conhecidas, como a Teoria do Apego de John Bowlby, dizem que o
ser humano, de forma inata, busca se relacionar almejando ferramentas úteis
para o seu desenvolvimento. Por exemplo, a relação entre pais e filhos seria
estabelecida uma vez que a criança não consegue, por conta própria, se
alimentar ou se limpar, ao passo que os pais buscariam a manutenção da prole
por questões de perpetuação da espécie.
O medo de
deixar informações passarem, se mostra presente e assola o cotidiano de muitas
pessoas. Quem nunca se sentiu na obrigação de assistir a série que todos estão
vendo, ou pesquisou no Google o que significa aquele meme que todos estão
usando só para não ser o único desatualizado?
Obviamente, o
objetivo dessa discussão não é demonizar a internet. A tecnologia atual, na
chamada “Era da informação”, que estamos inseridos, é fundamental para a vida
como trabalhos, vida social, estudos, etc.
A grande
problemática a ser levantada é: nós não aprendemos a usar a internet. Apenas
nos adequamos ao seu surgimento e à sua existência.
Talvez você
nunca tenha ouvido falar dos termos “FOMO” ou “Binge-watch”, porém com certeza
conhece esse sentimento de angústia que nos traz pensamentos como: “eu não
estou dando conta de acompanhar”, “eu não estou aproveitando todo o meu tempo
livre”, “estou ficando desinformado” ou “por que só eu ainda não vi isso?”.
Esse não é um sentimento novo. Hipócrates, na Grécia Antiga, já usava o
aforismo “A arte é longa e a vida é breve”, para descrever essa incapacidade de
conhecer e acompanhar tudo ao nosso redor. “Angústia” deriva do latim “angere” e
do grego “angor”, e significa estreitamento, aperto. E esse é exatamente o
sentimento ao qual o FOMO se remete.
Para combater
esse sentimento e esses comportamentos que afetam nossa saúde, podendo dar
origem a patologias, é necessário se educar nas redes digitais. Devemos nos
lembrar que, segundo as Leis de Movimento de Newton, quando um objeto é puxado
em todas as direções, as forças se anulam e ele permanece inerte. E isso também
vale para nós, ao sermos bombardeamos por todos os lados com diversas
informações o tempo inteiro, o resultado será apenas a apatia.
Para que o uso
da internet seja proveitoso, precisamos filtrar as informações que chegam até
nós, compreender que nem sempre estaremos inteirados de todos os acontecimentos,
e que sim, precisamos estipular um limite para o uso das redes sociais, nos
voltando para uma realidade onde substituímos o eterno “buscando” por breves
momentos de “desligado”.
Você, que provavelmente está lendo agora essa publicação no seu Instagram, já refletiu sobre quantas horas passou nas redes sociais hoje? Quais conteúdos você acessou? Sabe falar sobre algum deles? Caso as respostas sejam negativas, talvez seja hora de repensar como você usa a internet.
Referências
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