PET Biologia UFV

PET Biologia UFV
Programa de Educação Tutorial - Biologia UFV

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Seminário: Fear of Missing Out (FOMO) e “Binge watching” – o preço da (in)dependência

 Por: Tandara Ketlyn Degobi Xavier

Se pensarmos nos aparelhos eletrônicos que nos cercam no cotidiano, muito provavelmente o primeiro item a ser citado é o aparelho celular, sobretudo os smartphones, objetos essenciais para a comunicação, trabalho e lazer na sociedade atual. Com apenas alguns cliques na tela do seu smartphone, você pode contatar seus familiares e amigos, marcar compromissos na sua agenda virtual, inteirar-se das novidades e atualidades ou buscar informações sobre quase qualquer assunto... mas, até onde a enxurrada de informações e notificações na qual estamos inseridos é benéfica e necessária? Quais complicações o uso constante das redes digitais e sociais podem ocasionar?


Desde a criação da televisão, percebe-se que as pessoas tendem a buscar um preenchimento do seu “tempo livre” com lazer. Esse aparelho, em meados de 1950 no Brasil, apresentava duas particularidades: o preço oneroso que restringia o número de televisões no país, e a disponibilidade de conteúdo, visto que, na época, os poucos programas existentes eram transmitidos ao vivo e, ao final do programa, havia uma espécie de “tela preta” até que a próxima programação começasse.

As duas particularidades levantadas nos levam a concluir que assistir televisão era um evento compartilhado. Muito provavelmente você já ouviu falar ou já vivenciou as reuniões nas praças ou casas de vizinhos para assistir aquele programa famoso ou aquele episódio esperado da novela, pois além da maioria das pessoas não terem um aparelho televisor em casa, os intervalos vazios entre a programação proporcionavam a coletividade, pois se tratando do “aqui e agora”, uniam as pessoas no mesmo espaço para uma mesma experiência.

Com o barateamento dos televisores e com o advento das tecnologias videotape, as televisões penetraram cada vez mais dentro das residências, e com os programas gravados que preenchem todos os horários, foi possível criar uma horizontalidade na programação, do modo que conhecemos hoje: com horários nobres e divisões de faixas repetidas durante a semana, criando uma sensação de hábito no telespectador.

O fato é: as televisões, mesmo depois das mudanças sofridas, ainda possuem um cunho de coletividade. Isso é atestado, por exemplo, pela audiência de novelas como Avenida Brasil, que uniu o Brasil na frente da televisão no ano de 2012. Porém com a chegada dos smartphones e a popularização da internet móvel, essa linha horizontal de uma rotina que une diversas pessoas foi sendo corroída.

Com a modernização da indústria audiovisual, surgem os serviços de streaming e on demand, que respectivamente se referem a disponibilidade de conteúdos numa rede não-física sem necessidade de download prévio, e a liberdade de escolha do usuário acerca de quais conteúdos ele deseja consumir. Como exemplos de plataformas que utilizam esses serviços, temos o Spotify e a Netflix, nas quais o usuário, dentro de um determinado campo (músicas e séries, no caso das plataformas citadas), escolhe a qualquer momento o que deseja consumir e quando o fará.

A questão é que essa independência e liberdade nos levam a duas problemáticas: a primeira é a perda da coletividade, e a segunda é a dificuldade e a angústia de lidar com a quantidade de informações. Enquanto na era das televisões o telespectador estava fadado à dicotomia “ligado” e “desligado”, agora o usuário se encontra de duas formas: “ligado” ou “buscando”.

Em 2015, especialistas em linguagem e lexicologia do Reino Unido elegeram “binge-watch” como “a palavra do ano”. Traduzindo, essa expressão significa “assistir compulsoriamente” ou, no nosso português cotidiano, “maratonar”. O grande aumento do uso dessa expressão pode ser explicado pelo grande sucesso dos serviços de streaming durante esse período, principalmente, em plataformas como a Netflix, que disponibiliza vários episódios de séries que podem ser assistidos em seguida, sem a necessidade de esperar pelos lançamentos. 



Segundo alguns autores, o ato de realizar “binge-watch”, se dá também pelo apego a determinadas plataformas. Para Santaella (2004), devido à complexidade em navegar pela web, o usuário gasta muito tempo, ou na busca por um conteúdo, ou para entender como determinado site ou rede social funciona. Ela afirma que isso pode levar a desistência, fazendo com que a pessoa recorra a uma mídia com a qual ela já está familiarizada. Com o tempo, há uma tendência de se apegar àquele conteúdo, justamente para não ter que retornar a insegurança causada pela busca.

Outro comportamento que também passou a ser estudado depois de 2010 foi o FOMO, acrônimo para “Fear of Missing Out”, que traduzindo para o português significa “Medo de ficar por fora”. O FOMO se baseia em dois pilares principais: a necessidade de estar em contato com as outras pessoas via redes digitais, e a apreensão de que esteja perdendo algo que todos estão aproveitando.

O FOMO não se enquadra nos sintomas clássicos de vício, mas relaciona-se a uma categoria de novidade, na qual a recepção de informações se torna uma fonte de gratificação para usuários (Tomczyk & Selmanagic-Lizde, 2018). Essa síndrome carrega uma recorrente preocupação de que os outros estejam tendo experiências gratificantes durante a sua ausência, e isso explicaria a constante necessidade de estar por dentro de todas as novidades.


Teorias relativamente conhecidas, como a Teoria do Apego de John Bowlby, dizem que o ser humano, de forma inata, busca se relacionar almejando ferramentas úteis para o seu desenvolvimento. Por exemplo, a relação entre pais e filhos seria estabelecida uma vez que a criança não consegue, por conta própria, se alimentar ou se limpar, ao passo que os pais buscariam a manutenção da prole por questões de perpetuação da espécie.

Diferentemente dessa teoria, Baumeister e Leary (1995) defendem que, o que buscamos de fato, é a sensação de pertencimento. Para que possamos nos sentir parte do todo, é necessário que o contato frequente seja mantido, pois esse processo seria, de fato, o que alimenta uma relação duradoura. Logo, se tratando da FOMO, essa necessidade de checar sempre o que os outros estão vivenciando, seria a forma que a pessoa afetada teria de se sentir presente, buscando manter essa sensação de pertencimento.

O medo de deixar informações passarem, se mostra presente e assola o cotidiano de muitas pessoas. Quem nunca se sentiu na obrigação de assistir a série que todos estão vendo, ou pesquisou no Google o que significa aquele meme que todos estão usando só para não ser o único desatualizado?

Obviamente, o objetivo dessa discussão não é demonizar a internet. A tecnologia atual, na chamada “Era da informação”, que estamos inseridos, é fundamental para a vida como trabalhos, vida social, estudos, etc.

A grande problemática a ser levantada é: nós não aprendemos a usar a internet. Apenas nos adequamos ao seu surgimento e à sua existência.

Talvez você nunca tenha ouvido falar dos termos “FOMO” ou “Binge-watch”, porém com certeza conhece esse sentimento de angústia que nos traz pensamentos como: “eu não estou dando conta de acompanhar”, “eu não estou aproveitando todo o meu tempo livre”, “estou ficando desinformado” ou “por que só eu ainda não vi isso?”. Esse não é um sentimento novo. Hipócrates, na Grécia Antiga, já usava o aforismo “A arte é longa e a vida é breve”, para descrever essa incapacidade de conhecer e acompanhar tudo ao nosso redor. “Angústia” deriva do latim “angere” e do grego “angor”, e significa estreitamento, aperto. E esse é exatamente o sentimento ao qual o FOMO se remete.

Para combater esse sentimento e esses comportamentos que afetam nossa saúde, podendo dar origem a patologias, é necessário se educar nas redes digitais. Devemos nos lembrar que, segundo as Leis de Movimento de Newton, quando um objeto é puxado em todas as direções, as forças se anulam e ele permanece inerte. E isso também vale para nós, ao sermos bombardeamos por todos os lados com diversas informações o tempo inteiro, o resultado será apenas a apatia.

Para que o uso da internet seja proveitoso, precisamos filtrar as informações que chegam até nós, compreender que nem sempre estaremos inteirados de todos os acontecimentos, e que sim, precisamos estipular um limite para o uso das redes sociais, nos voltando para uma realidade onde substituímos o eterno “buscando” por breves momentos de “desligado”.

Você, que provavelmente está lendo agora essa publicação no seu Instagram, já refletiu sobre quantas horas passou nas redes sociais hoje? Quais conteúdos você acessou? Sabe falar sobre algum deles? Caso as respostas sejam negativas, talvez seja hora de repensar como você usa a internet.

 

Referências

 

Baumeister, Roy F. & Leary, Mark R. The need to belong: Desire for interpersonal attachments as a fundamental human motivation. Psychological Bulletin, 1995. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/15420847_The_Need_to_Belong_Desire_for_Interpersonal_Attachments_as_a_Fundamental_Human_Motivation#:~:text=AvailableLiterature%20Review-,The%20Need%20to%20Belong%3A%20Desire%20for%20Interpersonal,as%20a%20Fundamental%20Human%20Motivation&text=A%20hypothesized%20need%20to%20form,within%20an%20ongoing%20relational%20bond.. Acesso em: 21 ago. 2020.

ELHAI, Jon D., YANG, Haibo e MONTAG, Christian. Fear of missing out (FOMO): overview, theoretical underpinnings, and literature review on relations with severity of negative affectivity and problematic technology use. Braz J Psychiatry, 2020. doi:10.1590/1516-4446-2020-0870. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462020005012205. Acesso em: 09 ago. 2020.

LOUZADA, Lucas costa e MAZZILLI, Paola. BINGE WATCHING E FOMO: Corrida pelo consumo audiovisual e noções de coletividade no ciberespaço. Escola Superior de Propaganda e Marketing. São Paulo, 2017. Disponível em: https://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-2922-1.pdf. Acesso em: 09 ago. 2020.

MARCHI, Caio Favero. O Design da Página “Feed de Notícias” do Facebook e o Comportamento FOMO. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2012/resumos/r33-0669-1.pdf. Acesso em: 09 ago. 2020.

SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004. Disponível em: https://ria.ufrn.br/123456789/1261. Acesso em: 21 ago. 2020.

SCHÜTZ, Fabiane Friedrich. Presença nas tecnologias ubíquas e suas relações com medo de ficar de fora, autoeficácia, apoio social e bem-estar. UFRGS. Instituto de Psicologia Programa de Pós Graduação em Psicologia. Porto Alegre, 2018. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/186088. Acesso em: 09 ago. 2020.

Tomczyk, Lukasz e Selmanagic-Lizde, Elma. Fear of Missing Out (FOMO) among youth in Bosnia and Herzegovina — Scale and selected mechanisms. Children And Youth Services Review, 2018. doi: 10.1016/j.childyouth.2018.03.048. Disponível em: https://depot.ceon.pl/bitstream/handle/123456789/15605/Tomczyk_Selmanagic-Lizde_Fear_of_Missing_Out.pdf?sequence=1. Acesso em: 21 ago. 2020.


Nenhum comentário:

Postar um comentário