PET Biologia UFV

PET Biologia UFV
Programa de Educação Tutorial - Biologia UFV

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Informativo digital 2020/2:

Sugestão de leitura: “Holocausto Brasileiro”

“Nenhum passo para trás, manicômio nunca mais”, “Saúde não se vende, loucura não se prende”. Estas são algumas das frases emblemáticas que marcam a Luta Antimanicomial, movimento que teve origem na Reforma Sanitária que surgiu na década de 1970 e base nas ideias do médico italiano Franco Basaglia. Influenciado por este movimento, nasceu no Brasil, décadas mais tarde, a Reforma Psiquiátrica, sancionada pela Lei 10.216 de 2001, conhecida também como “Lei Paulo Delgado”. Esta lei relaciona-se ao fim dos manicômios e com a criação de formas mais humanizadas de tratamento de doenças mentais.

Na obra “Holocausto Brasileiro”, a jornalista Daniela Arbex conta a história da loucura no Brasil, principalmente em Minas Gerais. No livro, a autora compara o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena – MG, chamado de “Colônia” com os campos de concentração Nazista, pois, a crueldade do que ocorreu em ambos pode ser equiparada, fazendo mais de 60 mil vítimas fatais e afetando muitas outras vidas, direta ou indiretamente. A autora fornece um panorama geral sobre a loucura no país, relata a história de vida de vários pacientes e funcionários do “Colônia” e descreve como as vidas dessas pessoas foram profundamente marcadas pela tragédia da psiquiatria brasileira da época.

Daniela Arbex inicia o livro falando sobre o quadro geral da loucura no Brasil. Eram enviados para hospitais psiquiátricos todos que destoavam do socialmente aceito, como alcoólatras, epiléticos, mendigos, mulheres que perderam a virgindade ou que foram violentadas, homossexuais, esposas traídas, pessoas que se rebelavam ou que eram muito tímidas e indivíduos com qualquer tipo de deficiência. Tudo isso, era tratado como “loucura” e os ditos “loucos” eram escondidos em manicômios e hospitais psiquiátricos como uma forma de “higienizar” o país. Nesses hospitais, que praticamente não possuíam médicos, os pacientes sofriam as mais diversas humilhações e viviam em condições desumanas.

Assim que chegavam ao hospital, seus pertences eram tirados, os homens tinham sua cabeça raspada e recebiam um único uniforme azul, o “azulão”. Por várias décadas dormiam no “leito chão”, que consistia em uma forração de feno no lugar de camas para caberem mais e mais pacientes. Viviam no meio de ratos, fezes, urina e urubus que eram atraídos pelo mau cheiro. Como recebiam uma única peça de uniforme, era comum que as pessoas ficassem nuas quando a peça estava sendo lavada ou quando havia se desfeito, pelo uso. Duchas frias, comida triturada e sem sal, além de cirurgias de lobotomia (que seccionam vias que ligam as regiões pré-frontais ao tálamo no cérebro) e eletrochoques que, inúmeras vezes, resultavam na morte imediata eram atrocidades geralmente sofridas pelos pacientes. A morte era banalizada e inevitável nas condições do local. Corpos eram enterrados indiscriminadamente, vendidos às universidades ou derretidos em ácido.

Diversas vidas foram ceifadas no “Colônia”, mas felizmente, o livro traz histórias emocionantes de pessoas que passaram por ele como pacientes, funcionários e filhos. Como a história de Luiz Pereira de Melo, o Luizinho, que foi internado por ser tímido; Adelino Ferreira Rodrigues e Nilta Pires Chaves que mesmo dentro do “Colônia” conseguiram viver uma história de afeto e cuidado e se casaram quando foram para residências terapêuticas; Geralda Siqueira Santiago, que foi estuprada aos 14 anos e enviada para o “Colônia”, onde deu a luz a João Bosco; Sueli Rezende, uma paciente notável que lutou contra e desafiou o modelo asilar diversas vezes e deu a luz a duas filhas dentro da instituição, uma delas é Débora Aparecida Soares, que conta a história da mãe no livro.

Uma obra cinematográfica que trata muito bem do tema é o filme produzido em 2015 “Nise: o coração da loucura”, dirigido por Roberto Berliner. Este filme conta a história da médica psiquiatra brasileira Nise da Silveira, que foi uma das pessoas que lutou para mudanças na forma como a doença mental era tratada no Brasil, criando novos métodos terapêuticos com base nos ensinamentos do médico psiquiatra Carl Jung, do qual foi aluna. No lugar da lobotomia e dos eletrochoques, Nise propôs a criação de oficinas de pintura e de escultura. O manicômio em que Nise trabalhou no Rio de Janeiro se transformou no “Museu Imagens do Inconsciente”, que possui um acervo de arte riquíssimo dos antigos pacientes. Além de museu, o local ainda funciona como residência terapêutica.

Outro livro brasileiro que nos faz refletir sobre a temática é bem mais antigo do que o movimento da Luta Antimanicomial. É o livro “O Alienista” de Machado de Assis, lançado em 1882. No decorrer do conto, Machado de Assis leva-nos ao questionamento sobre o que de fato é a loucura e que o ato de trancar todos na “casa verde”, além de ser uma situação errada e revoltante para a cidade de Itaguaí, acaba não sendo a resolução dos problemas, mas, gerando outros através do medo e da exclusão das pessoas. Leva-nos também ao questionamento sobre a exclusão social imposta, seja através de manicômios ou através da falta de acesso aos direitos básicos.

O Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena foi criado em 1903, mas a temática do holocausto é ainda atual. No passado foram os judeus e os loucos. Hoje, são tratados como indesejáveis os pobres, negros, homossexuais e dependentes químicos. A exclusão social, o preconceito e o descaso são formas de extermínio disfarçadas, que repetem os mesmos erros do passado. Tragédias como a do hospital “Colônia” continuarão existindo, enquanto pessoas considerarem que algumas vidas valem mais do que as outras e forem intolerantes com a diversidade e as minorias.

Portanto, indico a leitura do livro Holocausto Brasileiro de Daniela Arbex, assim como o acesso as demais obras mencionadas, pois considero uma leitura importante no contexto atual, por nos levar à reflexão e nos sensibilizar sobre a forma como tratamos outros seres humanos.


Referências:

ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Geração Editorial, 2013.


BERLINER, Roberto. Nise–O Coração da Loucura. 2015.


DE ASSIS, Machado. O alienista. Editora Companhia das Letras, 2014.


Nenhum comentário:

Postar um comentário