Sugestão de leitura: “Holocausto Brasileiro”
“Nenhum passo para trás,
manicômio nunca mais”, “Saúde não se vende, loucura não se prende”. Estas são
algumas das frases emblemáticas que marcam a Luta Antimanicomial, movimento que
teve origem na Reforma Sanitária que surgiu na década de 1970 e base nas ideias
do médico italiano Franco Basaglia. Influenciado por este movimento, nasceu no
Brasil, décadas mais tarde, a Reforma Psiquiátrica, sancionada pela Lei 10.216 de 2001, conhecida também como “Lei Paulo
Delgado”. Esta lei relaciona-se ao fim dos manicômios e com a criação de formas
mais humanizadas de tratamento de doenças mentais.
Na obra
“Holocausto Brasileiro”, a jornalista Daniela Arbex conta a história da loucura
no Brasil, principalmente em Minas Gerais. No livro, a autora compara o Centro Hospitalar
Psiquiátrico de Barbacena – MG, chamado de “Colônia” com os campos de
concentração Nazista, pois, a crueldade do que ocorreu em ambos pode ser equiparada,
fazendo mais de 60 mil vítimas fatais e afetando muitas outras vidas, direta ou
indiretamente. A autora fornece um panorama geral sobre a loucura no país,
relata a história de vida de vários pacientes e funcionários do “Colônia” e descreve
como as vidas dessas pessoas foram profundamente marcadas pela tragédia da
psiquiatria brasileira da época.
Daniela
Arbex inicia o livro falando sobre o quadro geral da loucura no Brasil. Eram
enviados para hospitais psiquiátricos todos que destoavam do socialmente aceito,
como alcoólatras, epiléticos, mendigos, mulheres que perderam a virgindade ou
que foram violentadas, homossexuais, esposas traídas, pessoas que se rebelavam
ou que eram muito tímidas e indivíduos com qualquer tipo de deficiência. Tudo
isso, era tratado como “loucura” e os ditos “loucos” eram escondidos em
manicômios e hospitais psiquiátricos como uma forma de “higienizar” o país.
Nesses hospitais, que praticamente não possuíam médicos, os pacientes sofriam
as mais diversas humilhações e viviam em condições desumanas.
Assim que
chegavam ao hospital, seus pertences eram tirados, os homens tinham sua cabeça
raspada e recebiam um único uniforme azul, o “azulão”. Por várias décadas
dormiam no “leito chão”, que consistia em uma forração de feno no lugar de
camas para caberem mais e mais pacientes. Viviam no meio de ratos, fezes, urina
e urubus que eram atraídos pelo mau cheiro. Como recebiam uma única peça de
uniforme, era comum que as pessoas ficassem nuas quando a peça estava sendo lavada
ou quando havia se desfeito, pelo uso. Duchas frias, comida triturada e sem
sal, além de cirurgias de lobotomia (que seccionam vias que ligam as regiões
pré-frontais ao tálamo no cérebro) e eletrochoques que, inúmeras vezes, resultavam na
morte imediata eram atrocidades geralmente sofridas pelos pacientes. A morte
era banalizada e inevitável nas condições do local. Corpos eram enterrados
indiscriminadamente, vendidos às universidades ou derretidos em ácido.
Diversas
vidas foram ceifadas no “Colônia”, mas felizmente, o livro traz histórias
emocionantes de pessoas que passaram por ele como pacientes, funcionários e
filhos. Como a história de Luiz Pereira de Melo, o Luizinho, que foi internado
por ser tímido; Adelino Ferreira Rodrigues e Nilta Pires Chaves que mesmo
dentro do “Colônia” conseguiram viver uma história de afeto e cuidado e se casaram
quando foram para residências terapêuticas; Geralda Siqueira Santiago, que foi
estuprada aos 14 anos e enviada para o “Colônia”, onde deu a luz a João Bosco;
Sueli Rezende, uma paciente notável que lutou contra e desafiou o modelo asilar
diversas vezes e deu a luz a duas filhas dentro da instituição, uma delas é
Débora Aparecida Soares, que conta a história da mãe no livro.
Uma obra cinematográfica que
trata muito bem do tema é o filme produzido em 2015 “Nise: o coração da loucura”,
dirigido por Roberto Berliner. Este filme conta a história da médica psiquiatra
brasileira Nise da Silveira, que foi uma das pessoas que lutou para mudanças na
forma como a doença mental era tratada no Brasil, criando novos métodos
terapêuticos com base nos ensinamentos do médico psiquiatra Carl Jung, do qual
foi aluna. No lugar da lobotomia e dos eletrochoques, Nise propôs a criação de
oficinas de pintura e de escultura. O manicômio em que Nise trabalhou no Rio de
Janeiro se transformou no “Museu Imagens do Inconsciente”, que possui um acervo
de arte riquíssimo dos antigos pacientes. Além de museu, o local ainda funciona
como residência terapêutica.
Outro livro brasileiro que
nos faz refletir sobre a temática é bem mais antigo do que o movimento da Luta
Antimanicomial. É o livro “O Alienista” de Machado de Assis, lançado em 1882. No
decorrer do conto, Machado de Assis leva-nos ao questionamento sobre o que de
fato é a loucura e que o ato de trancar todos na “casa verde”, além de ser uma
situação errada e revoltante para a cidade de Itaguaí, acaba não sendo a
resolução dos problemas, mas, gerando outros através do medo e da exclusão das
pessoas. Leva-nos também ao questionamento sobre a exclusão social imposta, seja
através de manicômios ou através da falta de acesso aos direitos básicos.
O Centro Hospitalar Psiquiátrico
de Barbacena foi criado em 1903, mas a temática do holocausto é ainda atual. No
passado foram os judeus e os loucos. Hoje, são tratados como indesejáveis os
pobres, negros, homossexuais e dependentes químicos. A exclusão social, o
preconceito e o descaso são formas de extermínio disfarçadas, que repetem os
mesmos erros do passado. Tragédias como a do hospital “Colônia” continuarão
existindo, enquanto pessoas considerarem que algumas vidas valem mais do que as
outras e forem intolerantes com a diversidade e as minorias.
Portanto, indico a leitura do livro Holocausto Brasileiro de Daniela Arbex, assim como o acesso as demais obras mencionadas, pois considero uma leitura importante no contexto atual, por nos levar à reflexão e nos sensibilizar sobre a forma como tratamos outros seres humanos.
Referências:
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Geração Editorial, 2013.
BERLINER, Roberto. Nise–O Coração da Loucura. 2015.
DE ASSIS, Machado. O alienista. Editora Companhia
das Letras, 2014.
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