PET Biologia UFV

PET Biologia UFV
Programa de Educação Tutorial - Biologia UFV

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Seminário: O salto da rã - Uma espécie invasora

     Petiano: José Júnior Soares

    Originária do centro e leste da América do norte, a rã-touro (Lithobates catesbeianus) é um dos maiores anuros do continente, podendo atingir um comprimento de 20 centímetros e um peso de 1,5 kg. Geralmente são verdes ou de cor bronzeada, com castanho escuro, verde escuro, ou negro e uma parte inferior amarela ou branca.


    Os indivíduos adultos exibem um marcado dimorfismo sexual: os machos apresentam membranas timpânicas com diâmetro notavelmente maior que o dos olhos, a região gular amarelada e calo nupcial desenvolvido na base do dedo II. As fêmeas, por sua vez, possuem a membrana timpânica com diâmetro semelhante ao dos olhos e região gular e ventre esbranquiçados.


    A rã-touro possui hábito aquático, requerendo ambientes aquáticos permanentes    para a reprodução. Durante o período reprodutivo os machos formam agregações    conhecidas como “coros” e estabelecem postos de vocalização às margens dos    ambientes aquáticos, defendendo-os contra machos coespecíficos através de sinais    visuais, vocalizações e combates físicos.

    As fêmeas selecionam os companheiros e ovipositam nos territórios masculinos. Os ovos são depositados em uma fina camada sobre a superfície da água, normalmente, próximos às margens e vegetação. As desovas podem variar de 1.000 a mais de 25.000 ovos, podendo ultrapassar 40.000. Na maior parte de sua distribuição nativa, os girinos da rã-touro requerem, no mínimo, um ano para a metamorfose, passando ao menos um inverno na água. 



     Quanto aos hábitos alimentares, a rã-touro é um predador de hábito sedentário (“senta e espera”) e generalista, atacando prontamente quase todos os animais menores, inclusive indivíduos da própria espécie. Isto contribui para torná-la espécie dominante nos habitats que ocupa. A dieta dos indivíduos jovens constitui-se, principalmente, de insetos, enquanto os adultos são conhecidos por incluir também vertebrados em seu hábito alimentar, principalmente outros anfíbios. Diversos autores se dedicaram ao estudo dos hábitos alimentares da rã-touro, relatando a ocorrência de presas relativamente incomuns para um anfíbio anuro, tais como toupeiras, roedores, morcegos, aves, serpentes, lagartos, quelônios e crocodilianos jovens, salamandras e peixes.


    A rã-touro foi escolhida para criação comercial por possuir alta fecundidade, rápido crescimento e habilidade para aclimatação a uma variedade de regimes climáticos, tendo maior desempenho em cativeiro do que outras espécies de rãs. Isto levou à sua introdução para criação comercial, a ranicultura, em dezenas de países.


    A carne de L. catesbeianus possui importantes propriedades nutricionais, tais como baixo teor de gordura e alta digestibilidade, além de possuir propriedades terapêuticas, podendo ser utilizada no tratamento de doenças relacionadas a erros inatos do metabolismo humano. Pesquisas recentes sugerem que a pele da rã-touro pode se  utilizada em procedimentos para recuperação de feridas causadas por queimaduras. Outra aplicação da pele é como couro, sendo matéria-prima para confecção de produtos comerciais, como calçados e bolsas. Apesar dos benefícios oriundos da produção de rãs em cativeiro, a ranicultura é uma atividade que pode resultar em impactos ambientais negativos.

 


    Paralelamente à difusão da ranicultura pelos continentes, populações invasoras de rã-touro se estabeleceram em ambientes aquáticos vizinhos aos criadouros, graças  à introduções intencionais e fugas de ranários. Devido à sua alta fecundidade e, principalmente, a seus hábitos alimentares, a rã-touro é considerada uma das 100 piores espécies invasoras no mundo atual. Diversos estudos, especialmente no oeste da América do Norte, sugerem a relação entre sua introdução, estabelecimento e dispersão com o declínio de populações nativas de outras espécies de rãs. Os mecanismos pelos quais a rã-touro pode interferir negativamente na estrutura de comunidades de anfíbios nativas são a competição na fase de girino, possível transmissão de patógenos, alterações comportamentais induzidas em espécies nativas, interferência reprodutiva em espécies filogeneticamente próximas e predação. Estudos focados em análises de conteúdo estomacal e sobreposição entre dietas concordam que a rã-touro possui um relevante impacto negativo, devido à grande representatividade de anfíbios em sua dieta, consumidos desde a fase de girino até adultos em atividade reprodutiva. Entretanto, os impactos negativos associados à presença da rã-touro, provavelmente, se devem à interação entre estes e outros fatores, como a presença de peixes predadores invasores e alterações ambientais provocadas pelo homem, como a criação de ambientes artificiais, que podem facilitar o estabelecimento da rã- touro. O Brasil foi um dos pioneiros na produção e comercialização em massa da rã-touro para consumo humano. Os primeiros exemplares chegaram ao país em 1935 e logo se desenvolveu a sua criação intensiva em ranários. O início da ranicultura no Brasil foi caracterizado pela distribuição gratuita de girinos e reprodutores aos interessados, com o objetivo de estimular novos criadores.

     Por outro lado, como verificado em outros países, populações invasoras se estabeleceram, sendo registradas em diversas regiões do país. As áreas com maior probabilidade de ocorrência da espécie situam-se nas regiões Sul e Sudeste, onde também se encontram a grande maioria dos registros de populações invasoras. Nessas regiões, registros apontaram a ocorrência de populações invasoras em 130 municípios, em áreas originalmente cobertas pelo bioma Mata Atlântica. O estudo sobre a dinâmica das invasões biológicas é um campo relativamente recente no Brasil e há poucos trabalhos sistemáticos sobre a biologia da rã-touro em condições naturais e seus possíveis efeitos sobre espécies nativas. Os trabalhos têm sido focados em duas linhas principais: ecologia alimentar e biologia reprodutiva. Boelter e Cechin (2007) estudaram a dieta dessa espécie e a predação sobre a fauna nativa. Os resultados indicaram uma forte pressão de predação sobre a fauna nativa, especialmente sobre anfíbios anuros, os quais constituíram um dos itens mais importantes da dieta da rã-touro.


    Algumas medidas para controlar as populações de rãs introduzidas e evitar novas reintroduções foram propostas por Afonso e colaboradores (2010). Estas medidas relacionam-se à melhoria da infraestrutura dos ranários e à conscientização das pessoas envolvidas com a produção de animais exóticos sobre os problemas ecológicos inerentes a essas espécies. De acordo com o exposto, torna-se necessário ampliar os estudos sobre a biologia da rã-touro e os efeitos ecológicos das populações invasoras da espécie no Brasil. Deve-se focar em especial nas suas interações com espécies nativas de anfíbios e outros grupos de animais, além dos fatores ambientais que podem afetar estas interações. Também deve ser prioritária a busca pela compreensão dos fatores responsáveis pelo estabelecimento e dispersão de populações invasoras. Estes estudos poderão auxiliar na elaboração de estratégias de manejo e controle das populações invasoras. Políticas públicas que priorizem estas ações e também a fiscalização dos ranários existentes e o licenciamento dos projetos de ranicultura devem ser elaboradas e colocadas em prática, tendo as instituições de ensino e pesquisa como parceiras neste processo. 




Nenhum comentário:

Postar um comentário